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Decisão do STJ que aborda cessão de quotas, responsabilidade do cessionário e cedente por atos prati

No início do mês de junho, o julgamento do REsp nº 1.484.164, pela 3ª turma do STJ, trouxe a baila a discussão sobre os limites da responsabilidade dos sócios, que cedem suas quotas, mesmo com obrigações e fatos geradores anteriores à cessão.


A decisão foi unânime em reconhecer a obrigação dos cedentes e que o prazo decadencial começa a contar da devida averbação da alteração social.


Outro ponto relevante desse julgado são os vínculos obrigacionais (sócios x sócios e empresa x terceiros), completamente distintos entre si, inclusive para contagem de prazo decadencial.


Para tanto, entendo ser necessário avaliar como surgem esses vínculos, que ao mesmo tempo não se confundem por serem independentes, mas se completam.


1. A criação da sociedade e o "affectio societatis"


Quando uma empresa é criada, nasce com ela o interesse dos sócios em obter lucro e retorno dos investimentos.


A união dos sócios e a cooperação econômica é baseada no princípio de “affectio societatis”, que nada mais é do que a vontade de levar adiante o propósito comum e materializar a sociedade.


A sociedade também cumpre função social, isso acontece quando recolhe impostos, contrata pessoas, fazendo com que o Estado reduza sua tutela, diminuindo demandas para utilização do seguro desemprego e assistência social governamental. Concomitantemente, a sociedade empresarial alimenta a máquina estatal para que continue funcionando por meio dos recursos auferidos pelos impostos.


O Contrato Social gera diversas responsabilidades e consequências jurídicas, sendo ele o marco que define as responsabilidades de cada sócio e sua participação (direitos e obrigações).


As respectivas responsabilidades são pautadas através relação jurídica dúplice entre sociedade e sócios e tríplice entre empresa, sócios e terceiros.


O vínculo criado através da “affectio societatis” deixa de existir quando os interesses entre os sócios não visam mais o desenvolvimento da sociedade e passam a refletir apenas interesses pessoais.


2. Responsabilidade dos sócios entre si


O Código Civil estipulou as seguintes obrigações aos sócios:


a. Cumprir as obrigações a eles estipuladas no Contrato Social, podendo o inadimplente ser notificado pelos demais sócios para o cumprimento da obrigação, sob o risco de responder por danos decorrentes desse descumprimento.


b. Os sócios também poderão requerer a exclusão do sócio remisso (aquele que deveria ter feito a integralização, ou seja, disponibilizar integralmente o valor prometido para materialização da sociedade, através de sua quota de participação).


Prevê o artigo 1004 do Código Civil:



Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora.

Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031.”


c. Obrigação de coerência empresarial, o sócio que possui contribuição em serviços não pode realizar atividade estranha à sociedade, assim prevê o artigo 1006 do Código Civil:


“Art. 1.006. O sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado de seus lucros e dela excluído.”


d. Obrigação de participação em lucros e perdas.


O artigo 1007 do Código Civil vai nesse sentido:


Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas.”


e. Responsabilidade solidária por simulação, distribuição de lucros ilícitos ou fictícios, mencionada no artigo 1009 do Código Civil:



“Art. 1.009. A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade.”


3. Responsabilidade dos sócios perante terceiros


O Contrato Social dá publicidade perante terceiros e permite que seja possível ao credor, saber se a sociedade foi constituída sob a característica de “responsabilidade limitada”, ou seja, que sua garantia no adimplemento dos créditos está limitada ao valor do capital social da empresa.


O fato de que os sócios da sociedade de responsabilidade limitada respondem até o limite de suas quotas, não dá aval para inadimplência absoluta ao que, porventura, possa exceder esse valor.


O dolo da empresa, ou de quaisquer dos sócios, não protege a sociedade sob o escudo “responsabilidade limitada”, podendo a sociedade responder ilimitadamente pelos danos causados à terceiros.


O artigo 5º do artigo 1072, mantém a obrigação de todos os sócios a observância atenta dos preceitos legais e contratuais, vinculando inclusive os sócios ausentes às deliberações da empresa.


Se os preceitos definidos pela sociedade não forem também obedecidos por quaisquer dos sócios, àquele que deu margem ao descumprimento deverá arcar com possíveis prejuízos decorrentes dos atos acima citados.


Art. 1.072. As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato.

...

§ 5o As deliberações tomadas de conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes.”


4. O fim das obrigações do sócio que sai (cedente).


A responsabilidade do sócio é iniciada com a constituição da empresa.


“Art. 1.001. As obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais.”


O vínculo criado através da “affectio societatis” acaba quando os interesses entre sócios deixam de visar o desenvolvimento da sociedade e passam a visar apenas interesses pessoais.


Muitas pessoas acreditam que saindo da sociedade sua responsabilidade é finalizada no momento do rompimento do vínculo societário.


Errado! Em primeiro momento, a saída tem que tornar-se pública, ou seja, para que isso aconteça, é necessário o registro da cessão societária (alteração do Contrato Social), caso contrário o ato é considerado como inexistente, mantendo o cedente vinculado as obrigações da sociedade por prazo indeterminado, independente da situação de fato estabelecida.


Havendo o registro da alteração do Contrato Social, o cedente permanece com vínculo obrigacional pelo período de 2 (dois) anos posteriores à sua saída, mesmo que não participe mais das decisões da empresa.


É assim que a legislação preceitua pelo artigo 1003, parágrafo único:


Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.”



5. Responsabilidade do sócio que entra (cessionário)


O sócio que entra na sociedade já constituída (cessionário), assume os débitos anteriores ao seu ingresso, fatos geradores pretéritos, incluindo incidências tributárias, por essa razão sua responsabilidade alcança débitos conhecidos e desconhecidos da empresa, mesmo que não tenha dado causa.



Nesse sentido, por decisão unânime, no julgamento do REsp 1.484.164, a 3ª turma do STJ reconheceu que a cobrança proposta por sociedade empresária contra ex-sócias, em decorrência de débitos fiscais anteriores à modificação societária.


Em 2009, os sócios iniciais cederam suas quotas.


A Secretaria da Fazenda notificou a empresa para pagamento de débitos (fatos geradores anteriores à alteração societária).


As cessionárias alegaram a existência de decadência do direito de cobrança, por ter ultrapassado o prazo de 2 (dois) anos, contados a partir da assinatura do contrato de cessão.


O Ministro Relator Villas Boas Cueva ressaltou que:


A tese esposada pelas recorrentes, de que os efeitos da cessão se produziriam a partir da assinatura do respectivo instrumento, aplica-se somente na relação jurídica interna estabelecida entre cedente e cessionário, mas não quanto à sociedade e a terceiros."


Ou seja, frisou que os artigos 1003 e 1032 fazem valer a obrigação de registrar as alterações sociais, não valendo a contagem de prescrição da data de assinatura da cessão (alteração de fato e não de direito) e sim, da data do registro da alteração social.


Asseverou:


"Ademais, ressalta-se que tanto o parágrafo único do artigo 1.003 do Código Civil, como o artigo 1.032 do mesmo diploma legal preveem, na hipótese de cessão de quotas sociais, a responsabilidade do cedente pelas obrigações que tinha enquanto ostentava a qualidade de sócio, até dois anos após a averbação da modificação contratual."


Vide conteúdo da decisão na aba Jurisprudências desse site.


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